Cirurgia Robótica: modismo ou avanço tecnológico?

O uso da assistência robótica na cirurgia vem crescendo de forma exponencial desde que foi inicialmente aprovada nos Estados Unidos no ano 2000. Desde então, o número de cirurgiões capacitados a realizarem essa operação não para de crescer, assim como o número de pacientes operados, inclusive no Brasil, onde a cirurgia robótica teve início em 2008. O país conta hoje com 57 plataformas robóticas em todas as regiões e é o país com maior número de cirurgias robóticas na América Latina.


Trata-se de um sistema que combina os benefícios da cirurgia laparoscópica, que é a operação feita por pequenas incisões e uso de pinças e sistema de vídeo, com um equipamento que permite maior mobilidade do que as pinças tradicionais, além de visão tridimensional, que melhora a visão do campo cirúrgico. Embora o nome possa sugerir, não é o robô que realiza a operação, mas o cirurgião que controla as pinças a partir de um console que fica ao lado do leito cirúrgico. O sistema pode ser utilizado em diversas especialidades, tais como urologia, ginecologia, cirurgia cardiovascular, cirurgia geral e otorrinolaringologia, muito embora a ginecologia e a urologia concentrem 75% de todos os procedimentos robóticos, segundo a empresa detentora da patente (Intuitive Surgical®).


Os cortes feitos no paciente para o acesso das pinças são praticamente os mesmos utilizados na cirurgia laparoscópica, assim como a abordagem cirúrgica. Por esse motivo, tanto a cirurgia laparoscópica pura quanto a cirurgia laparoscópica assistida por robô são consideradas técnicas minimamente invasivas e que possuem a vantagem de possibilitar uma recuperação pós-operatória mais rápida do que as cirurgias abertas. O que diferencia a cirurgia assistida por robô da cirurgia laparoscópica convencional é o aprimoramento tecnológico, que dá maior poder de movimentação ao cirurgião. Além disso, o tremor das mãos é eliminado pelo sistema robótico e a visão tridimensional permite ao cirurgião ver as estruturas anatômicas com grande detalhe.


Inegavelmente, a cirurgia robótica alcançou um status talvez não imaginado inicialmente nem mesmo pela empresa que comercializa e divulga o equipamento. Com tantas vantagens e um marketing poderoso, é difícil para um paciente não imaginar que seu problema seja mais adequadamente resolvido por esse método do que por outros mais tradicionais. Atualmente, as cirurgias robóticas não estão no rol de procedimentos dos convênios, e os pacientes que desejam operar por essa via de acesso precisam arcar com os altos custos dessas operações, o que certamente causa muita angústia, especialmente para aqueles que não têm condições financeiras compatíveis. A cirurgia assistida por robô tem um custo aproximado de 10 vezes o da cirurgia laparoscópica tradicional. Uma dúvida recorrente nos consultórios é a seguinte: “doutor, vale mesmo à pena pagar pela cirurgia robótica, ou isso é apenas um modismo?”


Para se responder de forma honesta essa pergunta, é preciso que sejam considerados também os pontos negativos do método. Uma busca rápida na Internet pode revelar as inúmeras ressalvas que existem à cirurgia robótica nos países desenvolvidos por órgãos fiscalizadores da saúde. Curiosamente, a mesma pesquisa feita em sites brasileiros não mostra tantos questionamentos, mas apenas enaltecimentos às suas vantagens. No Congresso Europeu de Urologia de 2018, o Prof. Prokar Dasgupta, eminente cirurgião do Reino Unido, onde foi pioneiro da cirurgia robótica, afirmou que esse tipo de operação seria um luxo desnecessário nos países em desenvolvimento, uma vez que não existem vantagens comprovadas e que os custos são muito elevados. Segundo ele, haveria uma obsessão por tecnologia impulsionando esse mercado multimilionário, e que o mais importante para o sucesso do tratamento seria o cirurgião, e não o método propriamente dito. De forma enfática, ele chegou a afirmar: “a fool with a tool is still a fool” (um tolo com uma ferramenta continua sendo um tolo).


Os custos são muito elevados também para países do primeiro mundo. O aparelho custa em média 2,5 milhões de dólares e tem causado forte impacto financeiro no orçamento dos hospitais, que precisam de grande número de pacientes operados para justificarem o investimento. No início do presente ano, o Massena Memorial Hospital, em Nova Iorque, anunciou que suspendeu o programa de cirurgias robóticas, por não conseguir arcar com a manutenção do equipamento.


Outro problema sério está na divulgação de vantagens da robótica que não foram comprovadas, ou mesmo que não existem. Embora as abordagens minimamente invasivas, como a cirurgia laparoscópica, também estejam relacionadas com melhor recuperação pós-operatória, menos dor e pequenas incisões, reportagens tendenciosas induzem o leitor a acreditar que isso ocorre apenas na via robótica. A via laparoscópica está coberta pelos convênios e é realizada rotineiramente há bastante tempo, porém, não está envolvida com a aura tecnológica que o marketing da cirurgia robótica proporciona.


Muitos sites de divulgação de hospitais, e mesmo de alguns médicos, alegam que a operação por via robótica causa menos problemas de ereção e incontinência urinária, no entanto, tal afirmativa não encontra nenhum respaldo científico até o momento. Recente publicação britânica avaliou os resultados de pacientes submetidos a prostatectomia radical por via aberta, via laparoscópica pura e por via laparoscópica assistida por robô e não encontrou diferença significativa nos índices de qualidade de vida e de função sexual1. Os autores concluíram que a cirurgia robótica não levou a melhores resultados para os pacientes atendidos pelo sistema de saúde britânico NHS (National Health Service). O sistema de análise de dados científicos Cochrane também publicou artigo que revelou semelhança nos índices de complicações urológicas entre as três formas de se abordar cirurgicamente o câncer da próstata, após extensa coleta de dados da literatura médica atual2. Também encontrando semelhanças nos resultados oncológicos e funcionais, publicação recente canadense considerou que o custo-benefício da prostatectomia radical robótica não seria justificável3.


De todos os estudos disponíveis sobre o tema, porém, talvez o mais impactante seja o artigo publicado na revista Lancet em 2018, feita por pesquisadores australianos. Após realizarem um estudo prospectivo e randomizado que comparou os resultados entre a prostatectomia radical por via aberta com a robótica, os autores encontraram resultados semelhantes nos índices de incontinência urinária e disfunção erétil nos dois grupos, após acompanhamento de dois anos4. Isso equivale a dizer que, mesmo nas mãos de cirurgiões altamente treinados com o método, não ocorrem menos problemas funcionais com a cirurgia robótica. Não é de se surpreender, portanto, que os pacientes submetidos à prostatectomia radical robótica sejam mais insatisfeitos e propensos ao arrependimento, uma vez que possuem uma expectativa muito alta para essa nova tecnologia, que não apresenta a prometida superioridade de resultados5.


Concluindo, a cirurgia robótica apresenta tecnologia extremamente atraente para pacientes e para os médicos, mas que precisa ser encarada com seriedade e aconselhamento sincero e honesto para os candidatos ao tratamento cirúrgico. Inegavelmente, é uma opção moderna que tem ótimos resultados e índices aceitáveis de complicações, assim como outras formas de tratamento, e com possibilidade de se mostrar superior em algum momento do futuro. Novas plataformas poderão surgir e o aprimoramento técnico tende a continuar. No entanto, os pacientes precisam receber informações suficientes para compreender a realidade dos dados disponíveis na literatura atual, de forma imparcial e científica. O custo-benefício questionável e a ausência de comprovação de superioridade devem sempre ser bem compreendidos pelos pacientes. O que não pode sair de moda de forma alguma são os princípios éticos que regem o relacionamento médico-paciente.

Daniel Xavier Lima
Médico Urologista
Professor do Departamento de Cirurgia da UFMG
Mestre e Doutor em Cirurgia
Cirurgião robótico credenciado pela Intuitive Surgical®

Referências bibliográficas


1) Nossiter J, Sujenthiran A, Charman SC et al. Robot-assisted radical prostatectomy vs laparoscopic and open retropubic radical prostatectomy: functional outcomes 18 months after diagnosis from a national cohort study in England. Br J Cancer 2018;118(4):489-494.


2) Ilic D, Evans SM, Allan CA, et al. Laparoscopic and robotic-assisted versus open radical prostatectomy for the treatment of localised prostate cancer. Cochrane Database Syst Rev 2017;9:CD009625.


3) Health Quality Ontario. Robotic Surgical System for Radical Prostatectomy: a health technology assessment. Ont Health Technol Assess Ser 2017;17(11):1-172.


4) Coughlin GD, Yaxley JW, Chambers SK et al. Robot-assisted laparoscopic prostatectomy versus open radical prostatectomy: 24-month outcomes from a randomised controlled study. Lancet Oncol 2018;19(8):1051-1060.


5) Schroek FR, Krupski TL, Sun L et al. Satisfaction and regret after open retropubic or robot-assisted laparoscopic radical prostatectomy. Eur Urol 2008;54(4):785-93.

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